Tarifa Zero é o Caminho Contra o Colapso do Transporte

Em audiência pública histórica, população, movimentos sociais e especialistas escancaram a falência do modelo privado de transporte e apresentam a gratuidade como solução viável e urgente para garantir o direito à cidade.

São José, 14 de agosto de 2025 – O plenário da Câmara Municipal de São José foi palco, na noite desta quinta-feira, de um debate contundente que colocou o dedo na ferida de um dos problemas mais crônicos da cidade: o transporte público. Proposta pelo vereador Carlos Eduardo de Souza Martins, a reunião pública não se limitou a um caderno de queixas; ela se transformou em um tribunal popular contra um sistema caro, ineficiente e excludente, e apontou um caminho claro e revolucionário: a Tarifa Zero.

A audiência expôs um cenário desolador. Com uma população de quase 300 mil habitantes, São José possui apenas sete linhas de ônibus, operadas de forma precária por três empresas que atuam sem licitação desde 2008. O resultado, como apontado pelos dados do LabTrans/UFSC, é uma insatisfação massiva: 33% dos usuários se declaram “muito insatisfeitos” com o serviço, contra irrisórios 3% de “muito satisfeitos”.

O representante do Programa Passe Livre, Victor Khaled, jogou luz sobre a matemática da exploração: o custo por quilômetro rodado em São José chega ao valor exorbitante de R$12,70, enquanto no Rio de Janeiro é de R$7,34 e na vizinha Florianópolis, R$10,20. “A diferença evidencia a ausência de controle social em um sistema que há décadas enriquece as mesmas empresas com um serviço de baixa qualidade”, afirmou Khaled, sentenciando o colapso do modelo de concessão privada.

O Rosto Humano do Abandono
Mais do que números, a noite foi marcada pelos relatos de quem sente na pele o descaso diário. Jéssica, moradora de Forquilhas, emocionou os presentes ao descrever a angústia de sua filha de 12 anos, forçada a caminhar de 2 a 3 km sozinha por falta de um ônibus compatível com seu horário escolar. “A tarifa zero é muito importante, mas a gratuidade para estudantes é uma prioridade urgente”, suplicou.

A pauta da acessibilidade também se impôs com força. Jairo da Silva, da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC), e Claudio, usuário com deficiência física, denunciaram um sistema que os trata como “passageiros indesejáveis”. Mudanças nas catracas, retirada de assentos preferenciais e o desrespeito constante transformam o simples ato de usar o ônibus em uma batalha diária.

A Tarifa Zero Não é Utopia, é Realidade
Enquanto a Secretária Municipal de Transporte, Andréia Grando, adotava um tom cauteloso, falando em “faixas tarifárias” e na necessidade de “compatibilidade com o orçamento”, especialistas e ativistas presentes demonstraram que a gratuidade universal é uma política pública viável e já em curso no Brasil.

Lafaete Neves, autor do livro “Tarifa Zero”, e Jean Ricardo, ex-vereador de Garopaba – cidade catarinense que implementou a gratuidade –, foram enfáticos. “O sistema de tarifa vigente está em colapso”, afirmou Neves. Ele explicou que a chave para o financiamento está no vale-transporte. Com 70.000 trabalhadores em São José utilizando o benefício, os recursos pagos pelos empregadores poderiam ser direcionados a um fundo municipal, custeando toda a operação e ainda gerando saldo.

A experiência de cidades como Caucaia (CE), que viu o número de passageiros aumentar em 444%, e Maricá (RJ), com um crescimento de 1.823% na demanda desde a implementação da tarifa zero, foram citadas como provas de que, quando o transporte se torna um direito, ele revitaliza a economia local, gera empregos e devolve a cidade aos seus cidadãos.

Por um Sistema Público, Popular e Metropolitano
As falas convergiram para uma crítica central: o transporte não pode ser tratado como mercadoria. Nicole Pereira, da Unidade Popular, defendeu a estatização total do sistema como única forma de garantir o controle popular. “O transporte é um direito constitucional, essencial para a juventude e para a classe trabalhadora que hoje gasta quase R$ 500 por mês para se locomover”, declarou.

O arquiteto Lino Peres e o professor Tiago trouxeram a dimensão metropolitana, criticando a lógica de “cidade-dormitório” que obriga os trabalhadores a longos e caros deslocamentos até Florianópolis, enquanto as conexões internas de São José são precarizadas. A necessidade de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), inspirado no SUS, foi defendida como um marco regulatório nacional para garantir financiamento e integração.

Ao final, o encaminhamento proposto pelo vereador Carlos Eduardo refletiu o clamor do plenário: a realização de um seminário para aprofundar o financiamento da Tarifa Zero e a criação de uma comissão para acompanhar o processo de licitação.

A reunião pública em São José não foi apenas um evento. Foi um manifesto. Deixou claro que a população não aceita mais um modelo que socializa o prejuízo e privatiza o lucro. A luta agora é para transformar o transporte em um serviço público essencial, garantido para todos e todas, como a saúde e a educação. A semente da Tarifa Zero foi plantada, e a colheita será o direito à cidade.