Dados do IBGE revelam que o crescimento desordenado, aliado à especulação imobiliária e ao descaso do poder público, transformaram a cidade catarinense em um deserto de asfalto, penalizando diretamente a população trabalhadora.
Um título, por mais negativo que seja, raramente surge do acaso. Ele é o sintoma de um processo, o resultado de escolhas políticas e econômicas. O título de “cidade grande menos arborizada do Brasil”, recém-conferido a São José (SC) pelo Censo 2022 do IBGE, é uma dessas sentenças que expõem um projeto de cidade que há muito tempo prioriza o concreto em detrimento da vida.
O dado é brutal: apenas 15,1% dos josefenses moram em ruas com árvores. Enquanto cidades como Maringá (PR) se aproximam da utopia verde com quase 99% de cobertura, São José afunda no asfalto, um reflexo gritante de um modelo de desenvolvimento predatório que enriquece poucos e sufoca a maioria. A média nacional, já insuficiente, parece um sonho distante.
Mais que a falta de sombra, um projeto de cidade
É preciso ser claro: a ausência de árvores não é uma falha paisagística, mas sim um projeto político. Em uma das cidades que mais cresce no estado, a lógica da especulação imobiliária dita as regras. Onde poderia haver um parque, uma praça arborizada ou um corredor verde, erguem-se novos empreendimentos que vendem a promessa de “qualidade de vida” entre quatro paredes, enquanto o espaço público é sistematicamente negligenciado.
Essa paisagem árida é a materialização de uma gestão urbana que serve ao capital e não às pessoas. O poder público, ao se omitir ou atuar como facilitador desse modelo, condena a população a viver em uma permanente ilha de calor. O calor que irradia do asfalto não é democrático; ele castiga com mais força os bairros populares, onde a infraestrutura é mais precária e o acesso a áreas de lazer e respiro é quase nulo.
As ilhas de calor e a injustiça ambiental
A falta de árvores é um marcador de classe. A crise climática já é uma realidade e seus efeitos, como as ondas de calor extremo, são amplificados em cidades sem verde. Quem mais sofre? São os trabalhadores que dependem do transporte público em pontos de ônibus sem sombra, as crianças que não têm uma praça arborizada para brincar, os idosos que enfrentam problemas respiratórios agravados pela poluição e pelo ar seco.
Isso tem nome: injustiça ambiental. É a distribuição desigual dos bônus e dos ônus do desenvolvimento. Enquanto condomínios fechados e bairros de elite podem se dar ao luxo de manter seus jardins e ruas arborizadas, a grande maioria da população é forçada a conviver com as consequências de um planejamento urbano que a exclui.
Um chamado à ação: o verde como resistência
O título de “menos verde do Brasil” não deve ser uma vergonha perpétua, mas sim uma convocação à luta. A pergunta “até quando?” não pode ser respondida com resignação. Ela exige mobilização popular, pressão sobre os governantes e a construção de uma alternativa.
É urgente exigir da prefeitura de São José um plano diretor de arborização urbana que seja ambicioso e popular, que priorize as áreas mais vulneráveis e que entenda a árvore não como um ornamento, mas como um equipamento essencial de saúde pública e justiça social. É preciso que os movimentos sociais, as associações de moradores e os coletivos ambientalistas se levantem contra a tirania do mercado imobiliário.
Plantar uma árvore em São José, hoje, é mais do que um ato ecológico. É um ato de resistência política. É a afirmação de que o direito à cidade inclui o direito ao verde, à sombra, ao ar puro e a uma vida digna para todos, e não apenas para quem pode pagar por ela. A coroa de cimento pode e deve ser derrubada para dar lugar a uma cidade que respira.